Meu país é um corpo que dói é um livro que emerge de um sofrimento coletivo. Não é exagero dizer que viver no Brasil desde 2018 tem sido viver sob o signo da luta e da sobrevivência. Há tempos que, como nação, já tínhamos perdido esta consciência, se um dia a tivemos: a dor coletiva também é pessoal. Claudete Daflon nos traz essa verdade inscrita no corpo, objeto de violências sociais, políticas e religiosas, mas também sujeito de atos de indignações, resistências e ressignificações. O corpo é sempre reativo, e a escrita também. Escrever é, para Claudete, um posicionamento diante da nossa realidade e história. Um posicionamento que busca a perspectiva decolonial, com pensadores latino-americanos, como Aníbal Quijano, Diamela Eltit e Rita Segato, mas também dialoga com europeus, como Hannah Arendt e Philippe Descola, para olhar criticamente a grande sombra deixada pela modernidade ocidental: a colonização, as suas sequelas, os seus desdobramentos perversos nas mentalidades, práticas e políticas atuais.
A uberização do trabalho, a destruição da natureza, a misoginia, o violento racismo voltado aos povos negros e indígenas são evidências de uma desqualificação da vida, e também de quais vidas a sociedade, em acordos explícitos ou silenciosos, escolhe desqualificar. Este livro coloca na mesa essas questões, trazendo as manifestações artísticas como forma de reação a esses inúmeros desfacelamentos, ao tecer uma instigante reflexão sobre arte e política, ética e estética.
Claudete se debruça sobre as imagens de Rosana Paulino, a escrita de Diamela Eltit, o cinema de Patricio Guzmán, a poesia de Edimilson de Almeida Pereira, entre outros artistas que tematizam questões de gênero, raça, cultura e classe, nos mostrando como eles incorporam a violência, as rupturas, a resistência, as marcas, os vazios, as cicatrizes na materialidade de suas obras, desfazendo o dualismo conteúdo-forma, buscando contestar também na linguagem os modelos estabelecidos pelo poder e saber ocidentais. Somos levados para uma travessia do detalhe ao todo de cada obra, das questões pessoais às coletivas, travessia que não se faz de um polo a outro, mas em conjunto. A leitura de Meu país é um corpo que dói termina com o sentimento comovido e cúmplice de que este país, este corpo, também é o meu, o seu, o nosso, e que a arte sob a luz decolonial é uma potente forma de revisitá-lo, ressignificá-lo e de caminhar a partir de suas suturas.
Texto de orelha de Claudia Lage
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